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Paracetamol é a principal causa da falência do fígado?

1 Jan 2024 - 08:00
impreciso

Paracetamol é a principal causa da falência do fígado?

Circulam, nas redes sociais, algumas publicações que descrevem o paracetamol como a “causa principal da falência do fígado”. 

Num destes posts refere-se que, “disponível livremente em farmácias, sem necessidade de receita médica, o paracetamol está entre os remédios mais consumidos de todo o mundo”. E, acrescenta-se, uma “pesquisa mostra que o remédio tornou-se a principal causa de falência do fígado”. Estas alegações têm fundamento? Qual a influência do paracetamol no fígado? 

É verdade que o paracetamol é a principal causa da falência do fígado?

Em declarações ao Viral, o gastroenterologista Guilherme Macedo começa por adiantar que as alegações partilhadas são enganadoras. O paracetamol não é a principal causa de todas as falências (ou insuficiências) do fígado, mas sim, apenas, da falência hepática aguda. 

“As razões mais comuns para as doenças do fígado”, que causam lesões crónicas no órgão, a longo prazo, são “o álcool”, “muitas hepatites crónicas” e a gordura que se acumula no fígado, “dependendo da sobrecarga de peso”, aponta.

Por outro lado, continua, de facto, “o paracetamol é a causa mais frequente da falência hepática aguda”- uma doença “mais súbita, inesperada e, muitas vezes, fatal”. 

Isto porque, esta doença é causada por vírus ou por fármacos e, como esclarece o médico, “há uma enorme acessibilidade ao paracetamol”, que não existe “às hepatites víricas, nem a outros fármacos”. 

“Milhões de pessoas consomem paracetamol”, reforça, e algumas, por razões acidentais, tomam o medicamento sem os cuidados necessários.

Apesar de tudo, “a falência hepática aguda não é uma situação relativamente comum”, frisa Guilherme Macedo. Há “hepatites alcoólicas graves com muito mais frequência do que falências hepáticas agudas por paracetamol”, sustenta.

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O que leva a uma falência hepática aguda por paracetamol?

Por um lado, “a toma maciça de paracetamol pode levar a uma falência hepática aguda”, salienta o gastroenterologista. 

Além disso, “uma dose de paracetamol, que habitualmente é bem tolerada pelo fígado normal, pode ser excessiva” – devido a outros fatores – “e produzir tóxicos que não são rapidamente limpos do organismo, provocando uma falência hepática aguda”, acrescenta. 

De modo geral, “o nosso organismo está preparado para trabalhar o paracetamol e fazer com que ele tenha a sua atividade normal”, ou seja, com que tenha um “efeito potente de analgésico e antipirético”, clarifica o médico.

Em condições normais, durante o metabolismo do paracetamol, também são produzidos metabolitos tóxicos (NAPQI). Contudo, este produto é “limpo por uma série de outras enzimas que pertencem a um composto chamado glutatião”. Este composto “funciona como uma espécie de carro-vassoura, limpando essa molécula anormal”.

Só que a toma de paracetamol (mesmo em doses consideradas normais) com álcool ou em conjunto com outros fármacos (ver aqui) pode ser prejudicial para o fígado e, inclusive, causar uma falência hepática aguda.

Porquê? “O álcool é um indutor enzimático, que trabalha num sentido duplamente negativo”, frisa Guilherme Macedo. Em primeiro lugar, “estimula a tal família enzimática que o fígado utiliza para trabalhar o paracetamol”, levando à maior produção de metabólitos tóxicos.  

Por consequência, o álcool sobrecarrega o glutatião. Havendo “uma dose excessiva”, o glutatião “não consegue limpar os metabólitos tóxicos do paracetamol e do álcool”, justifica. O mesmo ocorre se a pessoa estiver a tomar, em conjunto com o paracetamol, outros medicamentos que estimulem a mesma família enzimática.

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Neste contexto, “se, durante algumas horas, esse nível de produto tóxico estiver bastante acima daquilo que é possível ser removido, pode provocar uma lesão aguda no fígado”, conclui.

Que sinais podem indicar uma falência hepática aguda?

Segundo Guilherme Macedo, “numa primeira fase de intoxicação por paracetamol”, alguns sintomas que a pessoa pode experienciar são: “alguma confusão mental”, “perturbação no sono”, “náuseas acentuadas” e “vómitos”.

Numa segunda fase, “a situação pode tornar-se um pouco mais nítida em termos clínicos”. É aí que, muitas vezes, as pessoas procuram um médico. Sente-se “uma dor bastante mais aguda sob o lado direito do abdómen (no quadrante superior direito)”, que se deve ao “aumento muito grande do tamanho de um fígado que está em sofrimento”, relata.

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Chegada à urgência e, depois de explicar a situação, “o que se faz de imediato são análises rápidas do fígado e percebe-se que há um aumento muito desproporcionado das enzimas hepáticas”, indicando “uma falência hepática aguda”. 

O gastroenterologista explica que é necessário agir rápido e dar ao doente o “antídoto” que vai limpar “o organismo do produto tóxico, antes de um ponto de não retorno”.

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1 Jan 2024 - 08:00

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